Artistas invisíveis

As mulheres sempre estiveram presentes na História da Arte como artistas, embora nem sempre reconhecidas como tal. Essa presença foi negada durante muitos séculos, mas hoje já é admitido que houve um apagamento dessas artistas na história.

Os motivos são diversos: o apagamento intencional por historiadores que decidem não escrever sobre determinadas autoras, a falta de investigação sobre a vida e a obra delas e até maridos que proibiram artistas de assinar com seus próprios nomes.

Entretanto, por volta dos anos 1970 isso começou a mudar. Influenciadas por movimentos sociais como o feminismo, pesquisadoras passaram a tentar responder a pergunta “onde estão as mulheres na História da Arte?”. Ocorreu, então, não somente um retorno à memória das artistas esquecidas, mas também uma efervescência na produção artística feminina e feminista. As artistas daquele momento trouxeram em suas obras a existência de suas antecessoras, como é o caso do grupo Guerrilla Girls.

 

Imagem: Photo credit: St. Lawrence University Art Gallery on Visualhunt. #PraCegoVer – Arte, imagem mostra um cartaz, produzido pelo grupo Guerrilla Girls, que traz, ao lado esquerdo, uma figura feminina nua, de costas, com uma cabeça de gorila direcionada para o lado direito, em que há os dizeres: “Do women have to be naked to get into the Met. Museum? Less than 4% of the artists in the Modern Art sections are women, but 76% of the nudes are female”. Em tradução livre, “As mulheres precisam estar nuas para entrarem no Metropolitan Museum? Apenas 4% dos artistas no acervo do Modern Art em exposição são mulheres, mas 76% dos nus são femininos”. Fim da descrição.

Entre musas e artistas

A questão de gênero é proeminente quanto se trata de produção artística. Por isso, o coletivo artístico Guerrilha Girls, ilustrado na imagem acima, pondera a presença de homens e mulherres nas artes.

Após analisar obras do Metropolitan Museum, constata que 85% dos nus expostos até 2017 eram de corpos femininos. Por outro lado, entre os artistas (aqueles que desenvolvem as obras de arte) elas correspondem a apenas 5% do total.

Embora a objetificação dos corpos das mulheres seja inegável, o coletivo não se dedica a condenar a nudez artística (feminina ou masculina). O que realmente sobressalta é a presença feminina estar quase que restrita ao lugar de modelo e raramente aparecer como artista, embora existam muitas artistas para expor suas obras de arte nas galerias dos museus.

A invisibilização dessas artistas mulheres é sublinhada quando o coletivo questiona “As mulheres precisam estar nuas para entrarem no Metropolitan Museum?”.

Mulheres artistas dos séculos XX e XXI

As artistas do século 20 dialogavam também sobre questões de gênero, ou seja, questões que estavam intimamente ligadas ao fato de serem mulheres, como a violência e o sexismo. Além disso, as pesquisadoras que estavam focadas nessas artistas até então desconhecidas promoveram um resgate às memórias e subjetividades destas. Houve uma investigação delicada sobre os seus trabalhos e as suas trajetórias profissionais, de modo que elas fossem lembradas não somente pelos nomes, mas que suas obras fossem reconhecidas pela técnica, pelo motivo (o assunto de uma obra de arte), por suas referências e inspirações.

As instituições de arte também se mostraram comprometidas a contribuir com a escrita – ou a reescrita – dessa história perdida. Após a virada do século XXI, algumas exposições contribuíram com esse processo. Em 2015, ocorreu, na Pinacoteca, a exposição Mulheres artistas: as pioneiras (1880-1930). Em 2018, a mesma instituição também promoveu a mostra Mulheres radicais: arte latino-americana, 1960-1985. Já em 2019, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) dedicou-se a tratar sobre as histórias de mulheres durante todo o seu ano-temático, promovendo, ao mesmo tempo, as mostras Histórias das Mulheres: Artistas até os anos 2000 e Histórias Feministas: artistas depois de 2000. Também em 2019, ocorreu, no Museu de Arte do Rio (MAR), a exibição Mulheres na Coleção MAR. Além das coletivas, diversas outras mostras individuais também têm ocorrido, o que demonstra o aumento do prestígio profissional que elas vêm recebendo. Ao mesmo tempo em que ocorre um movimento de resgate às suas narrativas, também acontece o reconhecimento das que estão produzindo nesse período mais atual, pós 2010.

O papel dos críticos de arte

Essas mostras, principalmente as que tratam de artistas dos séculos anteriores, são relevantes para que nos lembremos que essas mulheres existiram e produziram arte em seu tempo. Em geral, elas se apoiavam entre si, pois na época o sistema das artes não as aceitava. Então não eram raros os casos das que dividiam ateliês, e das que criticavam entre si as obras umas das outras.

Até meados do século XX, a crítica de arte era um campo que tinha o poder de definir a relevância de um artista. Em outras palavras, era importante receber boas críticas vindas dos críticos, e durante muito tempo foi necessário adequar-se a padrões estéticos e/ou técnicos para que esse bom julgamento chegasse. Para tanto, era necessário que o artista tivesse acesso ao estudo dessas técnicas. Esse foi um grande empecilho para que as mulheres se sobressaíssem enquanto profissionais, pois durante um tempo elas foram impedidas de frequentar as academias de artes enquanto alunas. A elas só restava a opção de serem assistentes ou alunas dos homens que podiam frequentar as aulas oficiais. Sendo assim, com acesso limitado às técnicas relevantes para a época, o caminho para receber uma boa crítica não era tão fácil, e em alguns casos elas eram muito mais reconhecidas por serem alunas de um grande artista homem do que por seus trabalhos em si.

Artistas brasileiras

No Brasil, houveram artistas que foram reconhecidas pela crítica. É o caso de Abigail de Andrade e Rosa Bonheur, que produziram durante o século XIX. Além dessas, outras artistas foram estimadas pela história da arte postumamente, como Artemisia Gentileschi e Sofonisba Anguissola. Suas histórias foram finalmente sendo recontadas em exposições, como as ocorridas no MASP em 2019.

Por fim, o movimento pelo reconhecimento das mulheres na arte não vem somente das instituições e estudiosas da área, mas também das próprias artistas que estão em produção agora, como é o caso do grupo Guerrilla Girls, das artistas Renata Felinto, Leticia Parente, Rosana Paulino, Lygia Clark, entre tantas outras que contribuíram e contribuem para que a história das artistas mulheres continue existindo e continue sendo contada.

Bibliografia

DE SOUZA, F. L.; ZAMPERETTI, M. P. Arte, gênero e cultura visual – um olhar para as artistas mulheres. Momento – Diálogos em Educação, [S. l.], v. 26, n. 2, p. 248–264, 2017.

MASP. Histórias das mulheres, histórias feministas: antologia: Antologia. 1ª ed. São Paulo: MASP, 2 set. 2019.

NOCHLIN, Linda. Por que não houveram grandes artistas mulheres? 2ª ed. São Paulo: Edições Aurora, out. 2016.

SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Profissão Artista: Pintoras e Escultoras Acadêmicas Brasileiras. 1ª ed. São Paulo: EDUSP, 2019.